Em Myanmar vários líderes políticos, incluindo a chefe do governo civil Aung San Suu Kyi, foram presos na segunda-feira (01) pelos militares e declararam estado de emergência por um ano.
O golpe, que foi imediatamente condenado por várias capitais estrangeiras, é necessário para preservar a “estabilidade” do país, disseram os militares, acusando o governo no poder de fraude nas eleições de novembro.
“O que é muito preocupante hoje é que o exército está com medo. Myanmar está voltando a um regime de medo”, disse Sophie Boisseau du Rocher, especialista em Myanmar.
A condenação e preocupação internacional
Tudo aconteceu muito rapidamente na segunda-feira (01) em Myanmar. Algumas horas foram suficientes para derrubar o regime. Ao amanhecer, os militares levaram a cabo uma onda de prisões entre os líderes políticos. A chefe do governo civil, Aung San Suu Kyi, e o Presidente da República, Win Myint, foram presos.
Dos Estados Unidos à China e Bangladesh, este golpe de Estado foi condenado internacionalmente. Na segunda-feira, a União Europeia solicitou a “libertação imediata” das pessoas detidas.
Militares no poder
Nesta segunda-feira, a primeira sessão pós-eleitoral do Parlamento deveria ocorrer em Naypyidaw, a capital do país, onde o governo estava sendo instalado. Mas o exército enviou tropas armadas e veículos blindados esta para bloquear as estradas que levam ao Parlamento.
Em Rangoon, soldados de Tatmadaw, o nome oficial das forças armadas, apreenderam a prefeitura e bloquearam o acesso ao aeroporto internacional. Os militares então declararam um estado de emergência de um ano e colocaram seus generais em posições-chave, pondo um fim abrupto a 10 anos de transição democrática.
Min Aung Hlaing, a todo-poderosa chefe do exército, concentra agora os poderes “legislativo, administrativo e judicial”, enquanto outro general, Myint Swe, é nomeado presidente interino, um cargo em grande parte honorário.
A tensão não havia parado de aumentar nas últimas semanas. O exército acusou a Liga Nacional para a Democracia (NLD, partido de Aung San Suu Kyi) de “enormes” irregularidades eleitorais após sua vitória em novembro. E o espectro de um golpe de Estado vinha se aproximando desde que o próprio General Min Aung Hlaing advertiu na semana passada que a Constituição poderia ser “revogada” sob certas circunstâncias.
Myanmar: Violência e poder militar
Para Sophie Boisseau du Rocher, pesquisadora associada do IFRI e especialista em Myanmar, isto remonta ainda mais atrás.
“Em 2017, na época da crise de Rohingya, não foi percebido dessa forma, mas é óbvio que os militares colocaram o regime de Aung San Suu Kyi em uma situação particularmente desconfortável”, diz a pesquisadora.
Naquele ano, cerca de 750.000 membros dessa minoria fugiram das atrocidades cometidas pelo exército e milícias budistas e se refugiaram em campos improvisados em Bangladesh, tragédia que levou Myanmar a ser acusado de “genocídio” perante o Tribunal Internacional de Justiça (ICJ), o principal órgão judicial das Nações Unidas.
“O exército agiu sem sua aprovação, e Aung San Suu Kyi não foi capaz de defender Rohingya, enquanto ela tentava encontrar uma solução com a ajuda da ONU para tentar mudar a situação”, explica ela. Aung San Suu Kyi, que nega “qualquer intenção genocida”, veio pessoalmente para defender seu país perante o Tribunal. Sua falta de compaixão, neste caso, atraiu a ira da comunidade internacional.
A relação do país com seus militares
Em Myanmar, este golpe não é um caso de teste para o exército, é o terceiro golpe desde a independência do país, em 1948. O país é governado por regimes militares há quase 50 anos.
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Ainda hoje, a Constituição, posta em vigor pelos militares em 2008, garante imensos privilégios ao exército: 25% das cadeiras no parlamento, ministérios-chave (Interior, Defesa, Assuntos de Fronteira).
“O exército está no poder há várias décadas. Foi preciso muito tempo e paciência por parte da população para conhecer o exército”, lembra Sophie Boisseau du Rocher.
“Um regime de medo”
Aung San Suu Kyi, 75 anos de idade, havia previsto o golpe militar. A mulher que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1991 deixou uma mensagem à população, incitando-a a “não aceitar” a tomada do poder pelo exército.
“Apesar das inadequações e fraquezas do regime da NLD, este impulso democrático causou um tumulto entre a população“, analisa Sophie Boisseau du Rocher.
Aung San Suu Kyi ainda tem grande popularidade no país. Isto leva ao medo de represálias contra a população em caso de tentativa de rebelião. “Podemos ter medos. O que é muito preocupante é que o exército é o medo. Estamos voltando a um regime de medo”.
A constituição será válida?
A Constituição de 2008 esculpe um poderoso papel político contínuo para os militares, dando-lhes o controle dos principais ministérios do Interior, Fronteiras e Defesa. Quaisquer mudanças precisam do apoio dos legisladores militares, que controlam um quarto dos assentos no parlamento do país.
“Sua garantia de poder militar torna a constituição um documento profundamente impopular”, segundo o analista político Khin Zaw Win, que vive em Rangum, antiga capital do país.
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Suu Kyi e seu governo têm tentado emendar a Carta desde a vitória nas eleições de 2015, com pouco sucesso. Durante o último mandato, ela contornou uma regra que a impediu de assumir a presidência, assumindo o papel de liderança de fato de “conselheira do estado”.
“Esta lacuna é uma das várias que os militares não previram. Do ponto de vista deles, ela perdeu um controle significativo sobre o processo político”, disse o analista político Soe Myint Aung à AFP.
Traduzido e adaptado por equipe Folha BR
Fontes: 20 minutes, France 24, AFP